Essa
é uma pergunta bem interessante!
Poderia
falar um monte de coisas sobre as belezas de se escrever sobre a infância, mas
a verdade é que esse assunto tem um apelo mais recente.
Desde
que me conheço por gente, ter filhos não era uma
escolha compatível com a vida que queria ter.
Talvez
(provavelmente) tenha sido em função das minhas vivências e experiências anteriores.
O
fato é que a chegada da Mara na minha vida fez com que eu olhasse de modo
diferente para uma possível paternidade. O convívio com os sobrinhos dela, as
brincadeiras desajeitadas de quem não tinha crianças na família, a necessidade
de aprender a tolerar comportamentos característicos dessa fase aos poucos
foram sendo incorporados e assimilados.
Quando
casamos a decisão de termos um filho foi conjunta, mas a "forcinha"
para isso acontecer foi minha :)
A
chegada do Vicente veio com um mar de incertezas e muitas vezes a falta de
tranquilidade para decidir que atitude tomar, hoje é motivo de uma quantidade
considerável de vergonha :(
Sim, me cobro absurdamente quando vejo que poderia ter conduzido algumas situações de uma forma mais amena e menos autoritária!
Tempo atrás a Mara me mandou procurar uma
psicóloga (haja vista que não conseguia resolver alguns problemas) e com a terapia comecei a perceber que compreender as
necessidades da criança é compreender o processo natural do seu
desenvolvimento.
Toda essa mudança, embora possa parecer simples, está sendo construída dia após dia. Alguns progressos aqui, outras mudanças necessárias ali, sempre pensando em poder atuar de forma mais paternal e menos autoritária possível. É importante considerar que essas mudanças não são apenas de comportamento, mas de paradigmas. Minha educação foi muito diferente da que eu quero para meus filhos e, por isso, há de se fazer um esforço tremendo para combater essa reprodução de modelos.
Mas
não é apenas por ter filhos e pela maravilha que é ter crianças crescendo e nos
surpreendendo ao nosso redor, que ouso escrever. A partir do
convívio diário e intenso com meus filhos pude perceber o quanto é importante
que as crianças tenham alguém que as oriente, respeite e cuide.
Resumindo:
o modo como tratamos nossas crianças, provavelmente, será o modo como elas
cuidarão dos seus filhos quando os tiverem!
Em 2017 assisti uma mesa redonda no Congresso Brasileiro de Epidemiologia que falava sobre a saúde de refugiados, especificamente em crianças refugiadas. Aquilo me impactou de tal maneira que fiquei mais de uma semana remoendo aquelas informações. Famílias que enfrentam a dolorosa rotina de fugir de seus
países por questões diversas, carregam consigo a necessidade de sobrevivência,
e, naturalmente não têm tempo/possibilidade de pensarem no bem-estar de seus
filhos. O que todos precisam é arrumar um jeito de conseguirem sobreviver ao
tormento da migração, muitas vezes para locais que não querem sua presença por
lá...independente do motivo!
Expostos
a uma gama de perigos e aflições inimagináveis para nós, que estamos
escrevendo/lendo esse texto em frente a um computador ou smartphone, bem
sentados em um sofá ou na fila de espera do médico. Com frequência, o desfecho
disso tudo é o pior possível.
Quem
esquece daquela imagem do menino de 3 anos que morreu afogado durante uma travessia de barco pelo Mar Mediterrâneo e seu corpo foi
encontrado em uma praia da Itália?
Francamente,
não faço ideia de quantas vezes já me peguei cuidando o sono dos meus filhos e,
invariavelmente, pensando no número de crianças mundo afora sem as mínimas
condições para sequer dormirem tranquilas, por mais sono que possam ter!
Seus
filhos sorriem o tempo todo? Os meus, sim.
Mas
pense em quantas crianças não tem motivos para fazer isso.
Outro
motivo que me inclina a escrever sobre crianças é a violência com que nos deparamos todos os dias.
Frequentemente, ouço pessoas comentando que estamos no
fundo do poço em relação a esse tema. Penso que a sensação de insegurança acaba
imperando quando consideramos o número total de eventos violentos na sociedade
em que vivemos.
Acreditar que estamos inseguros potencializa a
percepção da magnitude do evento violento já dizia Steven Pinker. O próprio
Pinker escreveu um livro (Os Anjos Bons da Nossa Natureza), uma robusta obra em
que, categoricamente afirma: “nunca vivemos tempos tão pacíficos em toda a
história”.
Apesar das considerações do autor, convivemos com
episódios frequentes de agressões de natureza diversa. Temos - como pais - que
tentar driblar isso e passar um ar de tranquilidade aos nossos pequenos, sem
esquecermos que um dia eles enfrentarão todas as agruras desse mundo doido que
vivemos e seria muito bom se soubessem se defender. Preferencialmente por meio
da adoção de uma cultura de paz e resolução não violenta de conflitos.
No rol das variadas manifestações de violência, a
comunidade escolar (em sua maioria) tem aberto seus olhos para o Bullying,
antigamente chamado de “brincadeirinha” pelos nostálgicos que não se cansam de
afirmar que “antigamente não existia essa frescura”.
O Bullying, reconhecido como uma relação desigual de poder é caracterizado por
ataques sistemáticos, seja de cunho racista, sexual, homofóbico, físico ou
verbal. Estatísticas dão conta que em alguns países (Escócia, Finlândia e
Dinamarca) as consequências do Bullying causam mais mortes que acidentes de
trânsito. Talvez porque o tema seja um dos pilares da minha tese, hoje enxergo
o Bullying como uma maçã podre, que aos poucos envenena as frutas do pé.
Mas nem tudo está perdido!
Promulgada em novembro de 2015 e conhecida como Lei do
Bullying, (13.185/2015) trata de estabelecer o Programa de Combate a Intimidação
Sistemática, o qual exige que estabelecimentos escolares, clubes e/ou associações
brasileiras discutam e elaborem estratégias de combate a esse tipo de
violência. Para aqueles que acham que isso tudo é firula, sugiro aos pais que
assistam ao documentário “Bullying” que se encontra disponível tanto no Netflix
como no YouTube e tentem se colocar no lugar dos pais que perderam seus filhos
por não aguentarem mais as humilhações e agressões físicas oriundas de seus
pares.
Tempo atrás o Vicente chegou em casa e disse assim:
- Papai, não se deve chamar as pessoas de gorducha!
- Ah é?! Por que não?
- Porque isso magoa as pessoas e não é legal.
- É verdade.
- É...e nem chamar de pipoquinha e nem de zoiúda!
- O melhor é você chamar as pessoas pelo nome Vicente.
Que você acha?
- Acho muito legal...mas não de pipoquinha!
Provavelmente deva ter ouvido alguém próximo “elogiar”
outrem e esse alguém deve ter sido advertido, pois ele foi enfático em dizer
que não se deve chamar alguém por apelidos.
Poderia listar aqui muitos motivos mais para vocês
entenderem o que me leva a escrever sobre as crianças e suas dificuldades em um
mundo cada vez mais adulto, desumanizado e polarizado.
Esse diálogo rolou quando ele tinha 4 anos. Essa semana ele puxou ou assunto do "bully", de algumas cenas que ele tinha presenciado, de algumas vezes que sofreu esse tipo de comportamento.
Acredito que o cerne dessa questão seja um medo, bem
presente, de que um dia estas coisas aconteçam com o Vicente e a Helena e
naquele momento eu não possa fazer nada para amenizar ou remediar a situação.
Creio que esse medo deva fazer parte da vida de muitos
pais, que como a Mara e eu, se preocupam com seus filhos ao mesmo tempo que
precisam “soltar a rédea” para que conheçam o mundo pelos seus próprios olhos e
experiências e assim, poderem empoderar-se diante das dificuldades.
Há de se ter tranquilidade...e caminhar em frente!
Um forte abraço a todxs!
Roges